O estranho de Frank Auerbach


Portrait of Julia (2009-10)

Em rostos pintados com expressão implicada em cada pincelada, o criador dá lugar a uma confusão de linhas com sentido, ainda que manchadas, ainda que deturpadas. 

Escancara as imperfeições das feições, onde o corpo é imaginário e se despedaça, derrete em si.


Head of Catherine Lampert (1986)

Ao dar nome para tais corpos, se estabelece uma direção ao sentido, afinal, sem o nome colocado em cada mancha, seriam apenas manchas de qualquer corpo. O título se transforma em âncora, o sustentando imaginariamente.

Head of William Feaver II (2008)


O figurado em tela são formas que podemos validar como um retrato humano, e ainda que os nomes se repitam, sua forma de retratação não o faz. A tinta usada se acumula trazendo mais detalhes caóticos que ganham força ao serem vistos presencialmente – neste processo cada quadro se torna único, mudando como um camaleão que se adapta ao criador.



Tanto suas paisagens quanto seus retratos possuem linhas fortes e retas esporádicas, por vezes mostra cores vivas ou então seu outro extremo, as mais soturnas – tais características produzem notas intensas para cada quadro singularmente.


Hampstead Road, High Summer (2010)


David Landau (2008)

As obras que envolvem retratações de paisagens são as que mais dão exemplo ao que o artista diz sobre a própria obra, a descrevendo como figurativa e não expressionista.

Arte que se propõe representar a realidade, seja por um viés realista ou estilizado – Frank Auerbach se encontra neste segundo grupo, onde o criador imprime com maior profundidade seu estilo particular nas criações.

Chimney in Mornington Crescent - Winter Morning (1991)

Para o alemão, sua arte é uma solução inventiva materializada na pintura para o desafio que é estar no mundo, e pensando nisto, sua fixação em figurar objetos específicos começa a chamar atenção – quanto sua escolha de objetos (ou melhor, pessoas) para retratar, o artista diz:

"Eu me encontro simplesmente mais engajado quando conheço as pessoas. Eles envelhecem e mudam; há algo tocante nisso, em gravar algo que está acontecendo."


Head of David Landau (2004)

Por mais que seja figurado algo ou alguém específico como os títulos mostram, Auerbach tira o estético de seu lugar clichê e ao abrir mão de máscaras pode mostrar o cru, o selvagem, o estranho – esse que caminha para além dos limites conscientes.

Sua arte, ultrapassando o não-tão-simples "gravar algo que está acontecendo", dá voltas ao redor daquilo que é intraduzível. 


JYM (1984)

Se por um lado o artista usa títulos como âncoras, por outro suas telas dão lugar a objetos nus, imersos no que é justamente irrepresentável, ironizando as próprias características da arte figurativa – essa que poderia ser julgada, principalmente em sua esfera realista, como arte domesticada que reduz a alteridade e o espaço para o enigma.

Mas como seria possível tal julgamento para criações como de Auerbach? Se nelas o que vemos é o enigma em seu próprio estranhamento, esse que nos conduz a dúvida e fascinação.  


Frank Auerbach nasceu em 1931 na Alemanha e se naturalizou no Reino Unido em 1947. Foi aluno nas instituições St Martin's School of Art e Royal College of Art, ambas em Londres. 

Além de exposições solo, também participou de inúmeras exposições pela Europa e América ao lado de nomes como Lucian Freud, Francis Bacon, Leon Kossoff e outros.

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