De quem era a Semana de Arte Moderna de 1922?

Capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22, feita por Di Cavalcanti

Entre os dias 13 e 17 de fevereiro, há cem anos atrás ocorria um dos eventos que se canonizaria na história do Brasil e especialmente de sua arte. Curiosamente, se em 2022 marcamos o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, naquele mesmo ano celebravam o também centenário da Independência – números jogados, porém que trazem consigo ar de ciclo.


Na década de 20 se via uma expansão na cidade de São Paulo, essa que já chegava em mais de 580 mil habitantes, além do também aumento da riqueza no local. Era em tal cenário que a aristocracia paulistana, muito influenciada pela Europa, tentava transformar a cidade em um polo de erudição – aqui, o preciosismo da escola parnasiana estava em alta, com nomes como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia.


É neste contexto social que, no final de 1921, o carioca Di Cavalcanti desabafa com o amigo Rubens Borba de Moraes sobre a necessidade de exposições coletivas em vista as pequenas exposições individuais. Neste sentido, a força singular de cada artista e de suas respectivas obras se juntaria ao laço social para causar algo ainda mais potente – a cena artística brasileira necessitava de, como Di Cavalcanti mesmo ressaltava: "Sei lá o quê, uma coisa que sacuda a indiferença do público!".


Theatro Municipal de São Paulo, casa da Semana de Arte Moderna de 1922

O sacudir realmente foi feito durante a Semana de Arte, como o exemplo da segunda noite do evento, dedicada à literatura e à poesia, onde Mario de Andrade recita versos de Inspiração em meio a vaias e barulhos do público. Segundo a curadora do Instituto Moreira Salles (IMS), Heloísa Espada, a reação crítica do público foi vista como positiva, afinal, era uma forma de propagar a causa – reações essas como a de Joaquim Feijó ao escrever no jornal A Gazeta: "O segundo espetáculo degenerou em função de circo."


Folheto de divulgação do evento

Na celebração de 50 anos da Semana de Arte Moderna, Carlos Drummond de Andrade escreve ao Jornal do Brasil que tal evento foi “um grito no salão bem-comportado, e para dar grito não se pede licença ao distinto auditório: grita-se” – a força de impacto então se dá no poder de rebeldia, do romper com modelos já esperados e então romper-se em procura de novos modos de expressão. Movimento que não se vê apenas no caso dos modernistas, mas ao longo de toda história da arte – os impressionistas por exemplo, hoje vistos como mestres, foram também rebeldes (e portanto, alvo de criticas), como o caso de Édouard Manet.


'A música nas Tulherias', tela de 1862 que marca o rompimento de Manet com o realismo ao fazer sua primeira obra impressionista

Mas este é o discurso esperado, alienado do fato de que, o que um dia foi rebelde pode se tornar o valorizado e logo a nova norma. Sendo assim, este centenário, que no simbólico tem possibilidade de peso, guarda em si a chance de elaborações atravessadas pelo tempo.


Na década de 20, artistas usaram do ato para criar algo até então ainda não existente, artistas esses que não residiam apenas em São Paulo e sim por todo o Brasil ressoando ideais similares , e o efeito deste movimento se mostrou ao longo do tempo, mesmo que não de imediato 
– como exemplo, a real repercussão da Semana de Arte moderna se iniciou entre 1930 e 1940, onde mais pessoas revisitavam este momento da história com olhar de valor e interesse. Porém, aqui estamos cem anos após a Semana de Arte Moderna de 22 e inspirados pela sua rebeldia poderíamos pensar em suas problemáticas visando criar um novo estrangeiro.


Com cuidado para não cometer anacronismos injustos, devemos nos perguntar, por exemplo, "quem eram estes artistas?".


Participantes da Semana de Arte reunidos em homenagem ao produtor de café Paulo Prado, considerado um dos "mecenas" do evento

Como resposta, não poderíamos fugir do fato de que entre trinta homens envolvidos na Semana, haverem apenas quatro mulheres presentes (Anita Malfatti sendo uma delas, por exemplo), ou então acabaríamos tendo de elaborar sobre como estes homens eram em sua maioria intelectuais da elite. Para não citar a fantasia colocada sobre a cidade de São Paulo em relação a ser berço do modernismo brasileiro, consequência parcialmente injusta da própria Semana de Arte que não foi para além de suas próprias bordas – para nota de entendimento, o pré-modernismo já era vivido em diferentes estados e por diferentes artistas, como Lima Barreto, homem negro e novelista.


'O Homem Amarelo' de Anita Malfatti, obra bastante critica na época

O que tento apontar aqui é justamente a ironia contida no contraste entre a rebeldia da Semana de Arte Moderna de 22 contra o normativo e seus pontos criticáveis que, ironicamente, andavam alinhados a outra face desta mesma norma. 


Assim como a curadora e professora Regina Teixeira de Barros não nega, este evento foi a primeira organização institucionalizada que, ainda que feita por poucos sujeitos e todos da elite, surgiu como um grito de vontade por tal modernização, por um rompimento. 


Mas afinal, ao pensar em nosso tempo, o que veríamos em uma nova Semana de Arte, cem anos após a primeira? Ela estaria representando a arte nacional em maior magnitude? Ela chegaria em lugares além da burguesia?



Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas